Rayssa Leal teve um 2023 repleto de experiências. Foi bicampeã da SLS, principal liga de skate de rua do mundo, virou “fidèle” (“amiga fiel”, uma espécie de embaixadora) da Louis Vuitton e conheceu profissionais que admira, como Lionel Messi. Manter tal rotina, contudo, exige abrir mão de algumas coisas.
A maranhense de 15 anos gostaria de ter mais tempo para aproveitar festas com os amigos de Imperatriz, sua cidade natal, ou mesmo para gravar sua “vídeo-parte”, como são chamadas as produções audiovisuais em que skatistas registram suas manobras nas ruas, mas os compromissos a fazem adiar essa vivência mais tranquila.
Pouco mais de uma semana após a conquista do Super Crown, a última etapa da SLS, Rayssa já tem mais uma competição pela frente. Agora, o desafio é o Mundial de Street, em Tóquio, nesta semana, valendo pontos para o ranking de classificação aos Jogos Olímpicos de Paris-2024.
A brasileira é a vice-líder, atrás apenas da japonesa Momiji Nishyia, medalhista de ouro em Tóquio.
“Estou perdendo um pouco da minha adolescência lá em Imperatriz, tipo as festinhas com os meus amigos. Estou perdendo um pouco da escola. É abrir mão de algumas coisas que a gente precisa abrir mão, às vezes para pensar também no futuro, mas é muita viagem, muita escola… Então, eu tenho que, às vezes, me virar em 30″, disse a skatista, na véspera da disputa do Super Crown, em São Paulo.
Quando tiver mais tempo, provavelmente após as Olimpíada de Paris, espera sair às ruas com o skate nos pés, acompanhada por uma câmera, para viver outra face do esporte, que tem as “vídeo partes” com um dos pilares.
“Tem uma galera esperando a minha… é muito campeonato, e na rua é uma experiência diferente. O que é difícil na pista, na rua é o dobro, cansa mais, até uma manobra simples. Espero começar a filmar de verdade depois da Olimpíada”, afirmou.
No final das costas, a jovem skatista se sai bem na missão de conciliar tanta coisa, dos sentimentos aos compromissos. Às vezes, pensa se seus ídolos se sentem da mesma forma.
Em maio, quando encontrou Messi durante o tradicional Prêmio Laureus, queria perguntar se o argentino ficava tão nervoso antes de bater um pênalti quanto ela antes de uma manobra, mas, como disse em texto publicado na Players Tribune, teve vergonha.
Dentro da pista, as demais questões pessoais se esvaem e resta a ela domar o nervosismo.
“Eu tento não transparecer que eu estou nervosa, porque, quando mostra que está nervosa, a gente fica mais ainda”, disse Rayssa instantes após a conquista do Super Crown.
“Eu meio que fico ouvindo minha música, converso com o pessoal, às vezes até mexo no celular para dar uma distraída, depois volto para competição. Acho que de tanto a gente falar, a gente competir, a gente mandar manobra, a gente vai deixando esse medo de lado… ficar tranquila igual ao Messi batendo pênalti”, disse.
Influência
Rayssa viaja pelo mundo, não só para competir. Também neste ano, esteve em Paris, onde será realizada a próxima Olimpíada, sentada na Fila A de um desfile da Louis Vuitton, grife da qual virou uma “fidèle” (amiga fiel), nome dado às integrantes de um seleto grupo de parceiras da marca.
Encontrou figuras como Zendaya, uma das atrizes mais bem-sucedidas da atualidade, e conheceu novos ambientes.
Parte da cultura do skate, sólida e de movimento próprio, a maranhense vive um pós-Olimpíada, já há mais de dois anos, de forma diferente do que foi vivido por outros medalhistas olímpicos do Brasil, que não continuam recebendo tanta atenção das massas, e até da imprensa, passado o furor da conquista.
“Mudando uma tradição de medalhistas brasileiros serem esquecidos pela grande mídia depois de alguns meses das conquistas, Rayssa só cresceu em projeção, maturidade e troféus desde Tóquio. A combinação de talento, carisma, trabalho duro e um estafe muito profissional faz dela umas das principais figuras de influência desta geração”, explica Ivan Martinho, professor de marketing esportivo pela ESPM.
Rayssa busca usar tal influência de forma positiva. Nesta semana, juntou forças à Nike, a Laureus Sport for Good e à REMS (Rede Esporte pela Mudança Social) para lançar o edital “Skate pela Mudança Social”, com inscrições abertas e válidas até 12 de janeiro.
O objetivo da iniciativa é apoiar organizações sem fins lucrativos na região Nordeste do Brasil, que promovam ou tenham a intenção de promover a modalidade como ferramenta de desenvolvimento humano, com foco especial no aumento da participação feminina.
Cinco ONGs serão fortalecidas pelo projeto por meio de gestão organizacional, gestão pedagógica e aporte financeiro.
“Fico muito feliz em fazer parte de algo que incentiva meninas a andarem de skate, principalmente no Nordeste. Acho que é uma oportunidade de quebrar barreiras e provar que as meninas podem andar de skate e se divertir praticando esporte”, comenta Rayssa, que, em meio a tantas viagens, mantém uma ligação muito forte com o Maranhão.
Corrida Olímpica
Campeã do Mundial de Street de Sharjah, disputado em fevereiro deste ano, mas válido como evento de 2022, a skatista brasileira também teve, em 2023, uma medalha de prata no Pro Tour de Roma e um quarto lugar no Pro Tour de Lausanne, todos eventos da corrida olímpica.
Embora seja importante no mundo do skate, a SLS, liga mundial da qual Rayssa foi campeã em São Paulo, não conta pontos para Paris-2024.
O Mundial de Tóquio começa com treinamentos na segunda e terça-feira, antes do início da fase classificatória, quarta. A maranhense, contudo, começa a competir direto nas quartas de final, quinta-feira, por causa da classificação no ranking mundial. A disputa começa às 22 horas.
Antes dos Jogos de Paris, a World Skate organizará pelo menos mais dois campeonatos: o Pro Tour de Dubai, em março, e a Série de Qualificação Olímpica, que será dividida em duas partes, em Xangai e Budapeste, entre maio e junho.
De acordo com a Confederação Brasileira de Skate (CBSK), a federação internacional ainda não divulgou como será a dinâmica de pontuação na segunda janela, nem mesmo se os pontos da primeira janela classificatória serão zerados ou não.
CNN